Dados do Trabalho


Título

Centro Estadual de Referência e Excelência em Dependência Química (CREDEQ) e o projeto de atendimento de povos indígenas em "A fuga do Curumim"

Apresentação do caso

A nossa experiência com atendimento de indígenas na instituição iniciou-se em março de 2021. Chamaremos o paciente em questão de “Curumim” por ser um jovem de 13 anos, proveniente de aldeia goiana. Relato de ser agitado, agressivo, “fujão”, “hiperativo”. Alta pontuação no questionário SNAP-IV. Há um ano em uso de risperidona e metilfenidato, com pouca melhora do quadro. Chegou a empreender fuga diversas vezes da aldeia em que morava com a mãe – ela inclusive é dependente de álcool e outras drogas e viria consultar também, mas fugiu na noite anterior. Compareceu a uma nova consulta um mês depois, sofrida, desnutrida, dependente química, seduzida e desiludida com a pólis (tinha tatuagens grosseiras típicas da urbanidade contemporânea). O seu corpo (e sua arte) pareciam estar em decadência. “Tudo cansa (...) as regras, os horários, o controle do comportamento...”. Fim da primeira consulta, reunião em equipe: Curumim faz viagem de volta sem receitas, mas com a alma ainda mais lúcida, inundada de rebeldia propositada. Mês seguinte, nova consulta. Curumim fugiu de novo, desta vez pra valer, para morar com a tia em outra aldeia. Melhorou o comportamento, negam oposição desafiante ou alterações de conduta. Dizem que está estudando “online” (as escalas para déficit de atenção estariam prontas para isso?). Hipótese diagnóstica: Fuga de Curumim. Conduta: Permaneça fugido, favor não atrapalhar.

Discussão

Em 1970 Devereux apontou dificuldades da categorização diagnóstisca em encontros interculturais. Seriam nossas anamneses ou questionários adequados aos contextos indígenas? Aliás, o que é sintoma aqui é também sintoma lá? Devereux revelou um caminho para as repostas: adotar uma posição daquele que não sabe, daquele que vai apreender o mundo do outro e com ele compreender os significados que estruturam o seu universo simbólico-cultural. Trouxe, de forma brilhante, a essência da Fenomenologia como solução das problemáticas da Etnopsiquiatria. Quem disse que o Curumim “não se comportava” e que sua mãe tinha “preguiça” usou a régua do branco.

Comentários finais

Vaidosos, nos alegramos ao apontar que ele nunca fugiu das nossas consultas. Encontro de conhecimentos, culturas e gerações, essa é a nossa especialidade. Curumim é indígena, mas o sofrimento é para todos.

Palavras-Chave

Etnopsiquiatria, Psiquiatria-Intercultural, Diagnóstico psiquiátrico em Indígena

Área

TDAH e Distúrbios de Aprendizagem

Autores

CLAUDIO REIMER, MAIARA MOURA